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On violence and representation

VERSÃO EM PORTUGUÊS

A couple of months ago, I published part of a conversation with Juliano Gomes about violence and description in Brazilian cinema, prompted by some brief impressions I had written about Adirley Queirós’ and Joana Pimenta’s excellent Mato Seco em Chamas (Dry Ground Burning, 2023). In his commentary, Gomes noted that “Images that do not involve any type of violence or intense contact in general seem incapable of describing the ample processes of Brazilian culture (such as coexistence, tolerance, diversity…).” These words came back to me when watching a very intriguing short film: Adélia Sampaio’s Adulto Não Brinca (Adults Don’t Play, 1980). 

Sadly not available online with English subtitles for its fairly sparse dialogues, Sampaio’s second short film starts with a group of boys lighting candles around a dead body lying in the middle of the street, covered with newspaper. The body is found by an undercover cop, who takes the boys to the precinct to explain that strange situation—a development that is charged by the common use of torture by the state apparatus at the time. In the end, the body—which is presented as real for most of the film—is revealed as a dummy that the kids had been using as part of a traditional Brazilian festivity: “malhação de Judas”—or “the burning of Judas,” a ritual in which folks lynch a proxy of Judas Iscariot to get revenge for his betrayal of Jesus Christ. 

Made at a moment when the military dictatorship in Brazil was just starting to falter, and the prospect of a political opening had begun to rise in the horizon, the film uses the ambiguous violence present in the ritual to enact a paradoxical feedback circuit that sustains Brazilian society. On the one hand, the purging of social inequalities through organized scapegoating ends with actual violence and intimidation of the kids by the police force. On the other, by keeping the representational aspect of the ritual illegible until the very end, Sampaio complicates moralizing readings of both violence and representation. The body that the kids claim to have found accidentally stands for other countless unidentified bodies in a long history of disposability that founded capitalism in Brazil on the pre-existing foundations of transatlantic slavery—leading to a prosaics of violence that even children stumble upon every day. But the lynching, suggestively edited to the frantic shredding of Waldir Azevedo’s “Choro Doido,” is also enacted as a cathartic reaction against the monopoly of both violence and representation by the state—as the censorship certificate that precedes the credits eloquently remind. At the end of the film, the fake body is set on fire, and the children glee as they watch it burn.

In its unresolved tension between representation and the real present in the treatment (by both the kids and the film) of the “body,” Adulto Não Brinca connects with the mysterious corpse drifted ashore in Gabriel Mascaro’s Ventos de Agosto (August Winds, 2014), as well as the ritualistic indetermination of funereal films such as Rodrigo Siqueira’s Terra Deu, Terra Come (The Earth Giveth, The Earth Taketh, 2010) and Marcelo Pedroso’s astonishing Corpo Presente (2011). But in the ambivalent interdependence between violence and joy, Adulto Não Brinca—adults don’t play, and perhaps if they did…—is also a productive predecessor of films that suggest paths for Brazilian cinema by feeding off the purging energy in rituals that precede their presence in cinema—such as Claudio Marques’ and Marília Hughes’ Nego Fugido (Runaway Slave, 2009)—or whose existence is intimately connected to film’s very ontology—such as Paulo Sacramento’s endlessly disrupting Juvenilia (1994).


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Sobre violência e representação

Há alguns meses, publiquei parte de uma conversa com Juliano Gomes sobre violência e descrição no cinema brasileiro, motivada por impressões que escrevi sobre o excelente Mato Seco em Chamas (2023), de Adirley Queirós e Joana Pimenta, que está atualmente em cartaz no Brasil. Em seu comentário, Juliano ressaltava como “as imagens que não envolvem nenhum tipo de violência ou contato intenso me parecem em geral não descrever bem os processos amplos da cultural brasileira (como coexistência, tolerância, diversidade…).” Essas palavras foram trazidas de volta à lembrança por Adulto Não Brinca (1980), de Adélia Sampaio.

O filme começa com um grupo de garotos acendendo velas ao redor de um cadáver estirado na rua, coberto com jornal. O corpo é encontrado por um policial à paisana, que leva os meninos para a delegacia para que eles expliquem aquela insólita situação—desenvolvimento que ganha peso dramático adicional pela ciência, por parte do espectador, do uso corriqueiro de tortura pelo estado à época. No fim, o corpo—que é tido como real durante a maior parte do filme—é revelado como um boneco que os garotos haviam preparado para a “malhação de Judas”—ritual em que um duplo de Judas Iscariotes é linchado como revanche por sua traição a Jesus Cristo.

Realizado em período em que a ditadura militar começava a claudicar, e a promessa de abertura política surgia timidamente no horizonte, o filme se apropria da ambiguidade da violência ritualística para encenar um circuito que se retroalimenta, e que sustenta a sociedade brasileira. Por um lado, a purgação de desigualdades por meio da expiação organizada leva, no filme, ao trauma real diante da violência e intimidação das crianças pela força policial. Por outro, ao  preservar a ambiguidade do aspecto representacional do ritual até o fim, Adélia Sampaio complica leituras moralizantes tanto da violência quanto da representação. O corpo, que os garotos dizem ter encontrado acidentalmente, dá imagem a inúmeros outros corpos não-identificados em uma longa história de descartes que fundou o capitalismo brasileiro sobre as estruturas herdadas da escravidão, levando a um prosaísmo da violência que até mesmo as crianças encontram todos os dias. Mas o ritual, sugestivamente editado junto ao esmerilho frenético de Waldir Azevedo em “Choro Doido”, é também encenado como reação catártica contra o monopólio, do estado, sobre a violência, mas também sobre a representação—como o certificado de censura que precede os créditos eloquentemente atesta. Ao final, o falso corpo é incendiado, e as crianças regozijam ao vê-lo queimar.

Em sua tensão jamais resolvida entre a representação e o real encapsulada no tratamento (pelo filme e pelos garotos) daquele “corpo”, Adulto Não Brinca se conecta ao cadáver misterioso que aporta na praia em Ventos de Agosto (2017), de Gabriel Mascaro, e à indeterminação ritualística de filmes funerais como Terra Deu, Terra Come (2010), de Rodrigo Siqueira, e do desconcertante Corpo Presente (2011), de Marcelo Pedroso. Mas na ambivalente interdependência entre violência e prazer, Adulto Não Brinca—e como seria se, por acaso, eles brincassem?—é também antepassado de filmes que vislumbram veredas na energia purgativa de rituais que precedem sua imagem no cinema—como Nego Fugido (2009), de Claudio Marques e Marília Hughes—ou cuja existência está intimamente ligada à própria ontologia fílmica—como na disrupção em abismo de Juvenília (1994), de Paulo Sacramento.  

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