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Eureka (ユリイカ, 2000), Shinji Aoyama

Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Abril de 2011.

Eureka é entoado em uma espécie de movimento pendular: um relógio marca o tempo feito um metrônomo; um enfeite que é uma espécie de ampola cheia d’água, tombando ritmadamente de um lado para outro, é frequentemente enquadrado no batente de uma das janelas da casa onde se passa boa parte do filme; e até mesmo quando morre o pai de Kozue (Aoi Miyazaki) e Naoki (Masaru Miyazaki), em um acidente de carro, a câmera dá destacada atenção para o movimento incessante dos limpadores de pára-brisa, se movendo de um lado para a outro. São apenas pequenas indicações de que essa idéia de pêndulo, na verdade, ordena todo o filme: Eureka oscila entre a figuração e a abstração, entre o dentro e o fora, entre o micro (a casa, o ônibus, a cidade) e o macro (a paisagem e a força da natureza, anunciada logo na primeira fala do filme), entre a dramaturgia e a land art, entre o impulso de explicar e a sua respectiva impossibilidade, entre a ação e a reação, entre a exposição de personagens com claros relevos existenciais, ou como meras manchas na composição.

Duas cenas:

1) a abstração do concreto: Makoto Sawai (Kôji Yakusho) vai preso. Na cadeia, ele bate algumas vezes na parede da cela, como alguém que anuncia sua chegada à porta. Do outro lado, alguém responde com o mesmo número de batidas. Não vemos, porém, quem de fato responde ao chamado, nem de onde vêm esses toques. Há apenas a realidade de sua existência, e essa resposta do invisível, do mistério, é a sugestão de um ritual que será adotado pela personagem posteriormente, como um código de presença entre ela, Kozue e Naoki.

2) A concretude do abstrato: Kozue e Naoki fazem “túmulos” que representam os mortos no massacre do ônibus. Os túmulos são apenas montes de terra, marcados com pedaços de cano. Em uma brevíssima cena, o vento atravessa esses canos e produz uma espécie de assovio, de sopro; uma espécie de canto dos mortos. Eureka é todo marcado pela ação indistinta da natureza (o vento) em algo que é distintíssimo (a unicidade de cada um daqueles túmulos, com sua história particular, sua dor particular) – jogo de opressão/expansão ressaltado com primor nos enquadramentos em cinemascope.

De certa maneira, Eureka é um filme que percebe um trauma da representação. Toda a sequência inicial do ônibus é fincada no jogo da performance aleatória – o sequestrador, que em dado momento faz até uma troca de papéis com o motorista do ônibus – e seus efeitos nos espectadores – Kozue e Naoki, que assistem a tudo sem esboçar palavra ou reação; como entender a performance do absurdo? E mais, como negar a inevitabilidade de sua existência? Esse trauma leva inevitavelmente à irracionalidade e à destruição (Naoki), mas, ao mesmo tempo, ele só pode ser vivenciado e absorvido por meio da própria representação: Kozue e seu ritual final, usando conchas que representam cada uma das pessoas próximas a ela diretamente afetadas por aquele trauma. Nesse ritual que é o próprio filme, até mesmo os signos precisam ser respeitados: a tragédia do ônibus só pode ser absorvida com uma viagem em um outro ônibus, como se a purgação só pudesse se realizar no coração do mal. Eureka – não à toa, um filme inspirado em uma canção de Jim O’Rourke – nasce partido entre uma explosão de brutalidade moderna e um desejo de representação clássica. Suas personagens-espectadoras são também representações do dilema representacional que atormenta o próprio filme.

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