Publicado originalmente na Cinética em Janeiro de 2010.
Um filme para chamar de seu
Pacific é um filme realizado completamente a partir de material externo, sem um plano sequer produzido para o filme. O procedimento é simples: montar um longa metragem a partir de imagens realizadas, sem qualquer finalidade extrínseca a elas, por passageiros de um cruzeiro de navio a Fernando de Noronha. Marcelo Pedroso pede a eles esse material após ele já estar filmado, e confere novos sentidos a imagens que não foram realizadas para o filme. O diretor tenta dar ordem ao aleatório, organizando afetos que não são do filme, mas de maneira a se apropriar deles.
Pacific é um filme questionador já nessa primeira instância, pois seu dispositivo é forte o suficiente para se tornar uma distração. É possível adorá-lo como síntese ou rejeitá-lo como sintoma antes mesmo de o filme começar, mas ambas as leituras (com todas as implicações de “estética”, “autoria”, “dispositivo”, “documento”, “camadas” etc, que elas naturalmente geram – umas mais pertinentes que outras) parecem insuficientes. Pois, muito como Moscou (2009), de Eduardo Coutinho, o que mais impressiona no filme de Marcelo Pedroso é justamente uma relação com as imagens que só pode ser bruta, onde só é possível extrair um sentido se ele for material. Importa menos, portanto, tudo que existe a partir do filme, e mais o que existe dentro dele. Pacific tem seu fluxo determinado por esse relevo interno das imagens, onde persiste o talento de Pedroso em perceber os caminhos, as rimas, os ritmos que engendram os planos, e que possibilitam uma relação de imersão no universo (físico e afetivo) que eles constroem.
É notável, portanto, que o filme transite em um caminho estreitíssimo onde o feelgood nunca se torna celebração, o confinamento não é filmado como prisão (pois é voluntário), e o retrato da alegria dos passageiros como obrigação social vem sem qualquer ironia. Se há um humor latente em Pacific, ele vem de uma auto-paródia que é incorporada pelas próprias personagens. O que persiste é um processo constante de auto-fabulação das personagens para suas próprias câmeras (há planos de enorme complexidade de mise en scéne dentro do filme; assim como há cortes que acentuam ou produzem uma complexidade ainda maior) e uma aderência irrestrita do filme a essas personagens, seus universos, seus sentimentos, seus desejos. Em toda sua contemporaneidade, Pacific retoma uma das qualidades essenciais e mais clássicas do cinema: criar um universo crível e transitável, e nos dar a chance de realmente nos instalarmos nele por um determinado período de tempo.
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