On the surface, Happiness is the Acid Test (A Alegria é a Prova dos Nove, 2023), by Helena Ignez, might seem like an homage to the past. The film is a memoir of Jarda Ícone (played by Ignez herself) and Lírio Terron (Ney Matogrosso), two characters involved in the deep explorative dive of the 1960s and 1970s who reconvene in a pandemic world to count their blessings and traumas. This memorial aspect is emphasized by a decisive flashback in the film’s first act: in a trip to Morocco in the 1970s, Ícone (this time played by Ignez’s daughter, Djin Sganzerla) is sexually molested by two soldiers while Terron (Guilherme Sequerra Gagliardi), her traveling partner, is passed out on a drug trip. While this event is recalled as a formative experience—in her later years, Ícone has become an established sexologist devoted to educating other women about female orgasm—the strict causality of the written word is deceiving. More than creating a straight arrow to claim an origin, Happiness is the Acid Test is interested in a dynamic relationship between the past and the present where continuities and discontinuities are constantly renegotiated, and no stone is left unturned.
Between the triggering abuse and the final orgasm of death—in a striking meta-performance called ICU a la Plage—the film is both a meditation on and a practice of a disappearing ethos: the counterculture. Instead of treating “the good old days” as a museum piece, the film tracks the ripples of that original attitude, looking at the present to investigate what has come out of it, and how to stay true to it. What happens to a rebel spirit once the couch gets too comfortable, the drugs have changed in meaning, and there are no longer bangs obstructing the beautiful view? And how does that same ethos manifest today?
The dizzyingly distasteful pleasure of Happiness is the Acid Test is that these questions are asked in a way that prevents a single answer. At a time when art and politics have come to rely so heavily on clarity and legibility, Helena Ignez delivers a film that is maddeningly irreverent, where no character is innocent, and even the fairest social gestures are also a form of violence. The film’s effect relies on its very implosion, shredding a poetics out of its own flesh. Much like Jean-Luc Godard’s Sympathy for the Devil (1968) and Nanni Moretti’s Ecce Bombo (1978), Happiness is the Acid Test is a collection of skits where the perception of limitations becomes an integral part of their transgression, staging criticism a form of joy, and joy as a form of critique.
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Mostra de Tiradentes 2023 – #04
À primeira vista, A Alegria é a Prova dos Nove (2023), de Helena Ignez, pode parecer um filme-homenagem ao seu próprio passado. O longa traz as memórias de Jarda Ícone (interpretada pela própria Ignez) e Lírio Terron (Ney Matogrosso), duas personagens dedicadas ao mergulho exploratório que marcou as décadas de 1960 e 1970, e que se reencontram em um mundo pandêmico para contar suas graças e traumas. Esse aspecto memorial é enfatizado por um flashback decisivo logo no primeiro ato: em uma viagem ao Marrocos nos anos 1970, Ícone (neste momento, interpretada pela filha de Ignez, Djin Sganzerla) é violentada sexualmente por dois soldados enquanto Terron (Guilherme Sequerra Gagliardi), seu parceiro de viagem, apaga em uma onda lisérgica. Embora esse evento seja reencenado como uma experiência de formação—no presente, Ícone se tornara uma sexóloga dedicada à educação de mulheres sobre o orgasmo feminino—a causalidade da palavra escrita engana mais do que explica. Mais do que criar uma seta rumo aos dias de hoje para reafirmar uma origem, A Alegria é a Prova dos Nove está interessado em uma relação dinâmica entre o passado e presente na qual continuidades e descontinuidades estão em constante renegociação, e todo beco sem saída precisa ser devidamente escrutinado.
Entre o gatilho do abuso e o orgasmo final da morte—representado aqui na vibrante meta-performance UTI a la Plage—o filme é igualmente uma meditação sobre, e uma prática de um ethos em desaparição: a contracultura. Em vez de tratar os “good old days” como peça de museu, ele rastreia as reverberações daquela atitude original, averiguando o presente em busca de seus rastros, em busca de novas formas de se manter fiel àquele fio que corta o tempo. O que acontece a um espírito inquieto quando o sofá já se tornou demasiado confortável, as drogas mudaram de sentido, e não há mais franjas obstruindo a beleza da vista? E como esse mesmo ethos se manifesta no presente?
O prazer estonteantemente repulsivo de A Alegria é a Prova dos Nove é que essas perguntas são colocadas de forma a evitar respostas convictas. Em época em que arte e política passaram a depender vitalmente da clareza e da legibilidade, Helena Ignez realiza um filme demoniacamente irreverente, onde nenhuma personagem é inocente, e mesmo o mais justo dos gestos sociais é igualmente fonte de satisfação e violência. O efeito do filme depende de sua própria implosão, desfiando sua poética com as fibras de sua própria carne. Como em Sympathy for the Devil (1968), de Jean-Luc Godard, e Ecce Bombo (1978), de Nanni Moretti, o filme é uma coleção de esquetes em que a percepção das limitações se torna parte integral de sua transgressão, encenando a crítica como gesto de alegria, e a alegria como uma forma de crítica.
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