When, a few days ago, I wrote about Marcelo Gomes’ Retrato de um Certo Oriente (Portrait of a Certain Orient, 2024), the opening film at this year’s Olhar de Cinema, I mentioned how the characters’ journey from Lebanon to the Amazon found a meta-historical resolution through the embrace of Humberto Mauro’s aesthetics in the film’s final segment. A very different film in many other respects, Leonardo Mouramateus’ Greice (2024) also finds resolution for transnational and migrational anxieties in a metalinguistic decision.
While the character is caught up in (lighthearted and prosaic—and decisive precisely for that) colonial tensions between Portugal and Brazil, the treasure hunt leads South: the solutions lie in a narrative play using an inflexible dispositif that means little beyond its own forcefulness—a kind of anti-cartesian formalism that defines a specific strand of Latin American literature (Júlio Cortázar, Roberto Bolaño, Jorge Luis Borges) and has a glowing legacy in recent Argentinean cinema (Matias Piñeiro, Mariano Llinás, and, in the case of Greice, especially Martin Rejtman’s 1999 masterpiece Silvia Prieto). This influence, which was already palpable in the director’s previous features, gains additional gravity in this new film.
Greice is a work of craft, where every narrative element finds a destination, every thread is tightly woven, and every knot is tied twice. But, instead of bringing closure, these folds just stretch the fabric further, which is twisted with rigor to refuse control. At the end, a paper boat is not a caravel… it is still just a paper boat—a piece of blank paper folded to create a shape that is ingenious, simple, and fragile, but that may, if the wind blows in the right direction, just be strong enough to cross the Atlantic.
The film’s form is its politics, and perhaps the best expression of that is the title-character, superbly played by Amandyra. Named with the Portuguese spelling of an Anglophone name (and how delightful is it when Greice’s younger sister is introduced, and she is name Kelly?), Greice marks the return of the trickster—a dear figure in Brazilian cinema whose presence seems to have diminished in the past few decades. The return of this character destabilizes the conventions of the by-now established transnational subgenre that is the immigrant story film. Greice is refreshing because she is not only looking for a better life, a better job, a better future. Her malandragem aims beyond survival: she is also in search of pleasure. And pleasure as a guiding principle can be a delightfully disruptive force.
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Olhar de Cinema 2024, #03
Quando, alguns dias atrás, escrevi sobre Retrato de um Certo Oriente (2024), de Marcelo Gomes, o filme de abertura do Olhar de Cinema deste ano, eu enfatizei a maneira como a jornada dos personagens do Líbano à Amazônia encontrava uma resolução meta-histórica na estética de Humberto Mauro no segmento final do filme. Um filme muito diferente em muitos outros aspectos, Greice (2024), de Leonardo Mouramateus, também acha uma solução para suas ansiedades transnacionais e migratórias em uma decisão metalinguística.
Enquanto a personagem se vê envolvida em tensões coloniais (leves, cotidianas e, por isso mesmo, decisivas) entre Portugal e Brasil, a caça ao tesouro leva ao Sul: as soluções se apresentam em um jogo narrativo que usa um dispositivo inflexível que pouco significa além de sua própria força—espécie de formalismo anticartesiano que marca vertente específica da literatura latino-americana (Júlio Cortázar, Roberto Bolaño, Jorge Luis Borges) e tem um legado de força no cinema argentino recente (Matias Piñeiro, Mariano Llinás e, no caso de Greice, especialmente a obra-prima de 1999 de Martin Rejtman, Silvia Prieto). Essa influência, já perceptível nos longas anteriores do diretor, encontra gravidade mais consequente neste novo filme.
Greice é um trabalho de craft, em que cada elemento narrativo encontra um destino, cada fio é firmemente entrelaçado, e todo nó é amarrado duas vezes. Mas, em vez de se fecharem, essas dobras apenas esgarçam ainda mais o tecido, que é torcido com rigor para recusar o absolutismo do controle. Um barco de papel não é uma caravela… é, ainda e apenas, um barco de papel—uma folha em branco dobrada em forma engenhosa, simples e frágil, mas que pode, se o vento soprar na direção certa, ser forte o suficiente para suportar a travessia do Atlântico.
A forma do filme é a sua política, e talvez a melhor expressão disso seja a personagem-título, em interpretação soberba de Amandyra. Batizada com a grafia em português de um nome anglófono (e que beleza é a cena em que a irmã mais nova de Greice é apresentada como Kelly!), Greice marca o retorno da personagem trickster—figura querida no cinema brasileiro cuja presença parece ter diminuído nas últimas décadas. Esse retorno abala a fundação do já firmemente estabelecido subgênero transnacional que é o filme de histórias de imigrantes. Greice é uma força de renovação porque não está apenas buscando uma vida melhor, um emprego melhor, um futuro melhor. Sua malandragem vai além da sobrevivência: ela também está em busca de prazer. E o prazer como princípio orientador pode ser deliciosamente disruptivo.
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