There is a short essay by Heinrich Von Kleist that has helped me elucidate, in my dissertation research, the complexity behind the spontaneous performances by the characters filmed by Eduardo Coutinho in his documentaries. It is called “On the Marionette Theater” (Über das Marionettentheater, 1810), and it is itself a dramatized conversation between the narrator and a professional dancer who is studying marionettes. The narrator wants to know why such a skilled dancer is seeking inspiration in the movements of marionettes, since they have no control over their gestures. At the end of their exchange, the two characters seem to reach a conclusion, which I will certainly oversimplify: the grace of movement is dependent on one’s obliviousness that they are being watched. Therefore, it is a state can be achieved either “naturally,” before an awareness of their own body as something that gets watched is internalized; or by working extremely hard to forget it—in acting lingo, the endless pursuit to be in the moment.
André Novais de Oliveira has accumulated a significant amount of artistic achievements in the fifteen years or so since he started making and releasing films. One of these major accomplishments has a name and a body: discovering a great actress in his mother, Maria José Novais Oliveira—or simply Dona Zezé. She debuted as an actress in his great feature film Ela Volta na Quinta (She Comes Back on Thursday, 2015), for which she won an award at Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, and ended up playing about fifteen roles in both features and shorts before her passing, in 2018. Co-directed by André and his brother, actor Renato Novaes, Our Mother Was an Actress (Nossa Mãe Era Atriz, 2022) is a short documentary homage to their mother focusing on her work as an actor. The film has occasional interviews with fellow actors that appear only in the soundtrack, and the footage includes scenes from some of her movies, outtakes, rehearsals, brief interviews, and home movies the directors accumulated in the brief period that she graced us with her presence on screen.
In one of the film’s most memorable moments, Dona Zezé speaks of her belated discovery of the world of filmmaking. She says that most film-goers are not aware of the amount of work and the level of detail that goes into making a film, and that, for someone who was a retired civil servant without much to do, all that work came as a blessing. The realization of herself as an actress at a relatively old age seems to put Dona Zezé’s craft at a counterintuitive position where both possibilities envisioned by Kleist in On the Marionette Theater coincide: she has both developed a great amount of skill in the everyday performance of life, and is at a stage where an external gaze (especially, in the beginning, her own son’s) upon her body seems to matter very little. Therefore, her work is a disarming combination of earnestness and control, creating a peculiar style that would seem as natural as life if life could be endlessly reworked toward dramatic precision.
In this regard, André and Renato use the very heterogeneity of the filmic material at their disposal to make a work in the image of their mother. By giving little contextual information about each shot used in the final cut, they create a radical equality between the backstage and the forestage, the rehearsal and the chosen take, the performed and the prosaic, the film set and the backyard, the lunch break with the crew during a shoot and the family’s daily meals.
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Mostra de Tiradentes 2023 – #03
Heinrich Von Kleist publicou em 1810 um breve ensaio que foi fundamental em minha pesquisa sobre a complexidade dramática atingida pelas performances espontâneas das personagens filmadas por Eduardo Coutinho em seus documentários. O texto chama-se “Sobre o Teatro de Marionetes” (Über das Marionettentheater), e dramatiza uma conversa entre o narrador e um dançarino profissional que estuda marionetes. O narrador se pergunta o porquê de um bailarino profissional buscar inspiração nos movimentos das marionetes, uma vez que elas não têm controle dos próprios gestos. Ao fim da conversa, as duas personagens parecem chegar a uma conclusão que certamente simplificarei em excesso: para que o movimento corporal atinja graciosidade, é fundamental se esquecer que seu corpo é foco do olhar do outro. É, portanto, um estado que pode ser alcançado “naturalmente,” antes que a vaidade que desperta mais fortemente na adolescência traga uma auto-consciência que inevitavelmente interdita esse auto-abandono, ou por meio de concentração e foco extremos em se blindar para o que se está em volta—aquilo que atores profissionais costumam chamar de estar “in the moment.”
Nesses quinze anos em que André Novais de Oliveira vem produzindo e lançando filmes, ele vem acumulando um número impressionante de feitos artísticos. Um de seus mais brilhantes gestos tem nome e corpo: a descoberta de que sua mãe, Maria José Novais Oliveira—ou simplesmente Dona Zezé—era uma grande atriz. Ela estreiou no cinema no excelente primeiro longa-metragem de Novais, Ela Volta na Quinta (2015), que rendeu-lhe prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e em sequência encarnou cerca de quinze papéis em filmes de curta e longa metragem até seu falecimento, em 2018. Co-dirigido por André e seu irmão, o ator Renato Novaes, Nossa Mãe Era Atriz (2022) é uma homenagem à mãe em forma de documentário de curta-metragem, focando em seu trabalho como atriz. Na banda sonora, o filme traz entrevistas pontuais com colegas de cena de Dona Zezé, e as imagens incluem trechos de seus filmes, sobras de montagem, ensaios, breves depoimentos, e vídeos familiares que os diretores acumularam no breve período em que ela nos agraciou com sua presença na tela.
Em um dos momentos mais marcantes do filme, Dona Zezé fala de sua tardia descoberta do mundo do cinema. Diz que a maioria das pessoas não percebe o quanto de trabalho e de detalhamento é necessário à realização de um filme, e que, para uma funcionária pública aposentada que não tinha nada pra fazer, essa trabalheira era uma verdadeira benção. A percepção de si como atriz ter sido despertada em uma idade já relativamente avançada parece situar o trabalho de Dona Zezé em uma posição contraintuitiva onde ambas as possibilidades vislumbradas por Kleist em Sobre o Teatro de Marionetes coincidem: ao longo dos anos, ela pôde desenvolver e refinar uma grande quantidade de técnicas na performance cotidiana da própria vida, que ela passa a incorporar numa idade em que o olhar do outro (em especial, no começo, o de seu filho) sobre seu corpo parece ausente de maior gravidade. Seu trabalho como atriz é, portanto, uma combinação desconcertante de espontaneidade e controle, criando um estilo que pareceria tão natural quanto a vida caso a vida pudesse ser retrabalhada incansavelmente em busca da precisão dramática.
Partindo desse princípio, André e Renato usam a heterogeneidade do material filmado disponível para criar um filme que é muito como as atuações de sua mãe. Ao minimizar ao máximo as informações contextuais sobre cada plano presente no corte final, os diretores criam uma espécie de igualdade radical entre a coxia e o palco, o ensaio e o take definitivo, a performance e o prosaico, o set de filmagens e o quintal, a pausa para o almoço no meio de uma filmagem e as refeições em família.