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Inori (2012), Pedro González-Rubio

Publicado originalmente na Cinética em Outubro de 2012.

Natureza em cultura

Comparado a Alamar, longa anterior do mexicano Pedro González-Rubio, Inori é um filme perceptivelmente mais comum. Pois se Alamar chamava atenção por confrontar o mar – lugar já tão saturado de significados na história das representações – com um tratamento que visava produzir instabilidade, transformando a relação plácida entre homem e natureza que filmes tão neo-neo-hippies quanto estes se habituaram a reafirmar, Inori é dominado por certa tranquilidade do olhar que parece automaticamente solicitada pelo ritmo cadenciado do povoado de Kannogawa, lugar-personagem do filme. Vai o balanço das ondas que jogava a câmera de um lado a outro, fica o tripé, tão firme quanto as árvores cujas copas despontam acima da névoa.

A estrutura e as árvores, aqui, fazem pensar imediatamente em The Weald (1997), de Naomi Kawase – não por acaso, produtora deste Inori. A montagem elege personagens que serão acompanhados pela câmera, que migra de um a outro com a mesma naturalidade com que eles compartilham os mesmos espaços. Os personagens escolhidos criam uma espécie de painel dos moradores da cidade e o filme se encarrega de inventariar seus gestos e hábitos cotidianos. Em uma cidade que evoca o velho chavão de um tempo que parou, a câmera tem todo o tempo do mundo para olhar aquelas vidas se desenrolando pouco a pouco, em sue próprio compasso. Nada, portanto, que já não tenha sido visto antes, diversas vezes, pelos olhos do cinema contemporâneo.

Mas assim como os automatismos artísticos são frágeis, aos poucos o automatismo das primeiras impressões críticas, tão disposto a cremar procedimentos como se eles carregassem significados, também não cabe às nuances que o filme paulatinamente apresenta. Pois se o cinema contemporâneo se acostumou a procurar lugares que giram em um outro ritmo, buscando uma espécie de restauração das relações do homem contemporâneo com um tempo supostamente mais orgânico do mundo natural, aos poucos os relatos dos moradores de Kannogawa vão desestabilizando essa apropriação fácil de seu universo. Pois os relatos, em Inori, são basicamente lamentos pelo atual estágio da cidade, no presente apenas um fantasma dos dias agitados do passado. Os jovens foram abandonando o lugar e Kannogawa hoje se arrasta com passos de velho. Para os velhos que ali sobraram, esta vista não é exatamente a que eles gostariam de ver.

Diante desse sereno confronto, as cenas são lenta e progressivamente imantadas pelo potencial simbólico que brota das rachaduras do não-conformismo. Dos preparativos de um vegetal que precisa ficar de molho de um dia para outro, nossa atenção foge para uma torneira que é deixada aberta por uma das moradoras, com toda a carga simbólica que a imagem ganha naquela contexto. As flores de cerejeira arrancadas pelo vento deixam de ser somente um belo espetáculo visual, e a luz que se apaga em uma cabana não marca apenas a chegada do anoitecer, mas o desaparecimento do homem e da civilização na montanha negra que toma todo o fundo.

Inori é povoado por esses pequenos deslocamentos que apenas a atenção aguda solicitada pelos tempos dilatados e os planos fixos parece capaz de destacar. A cidade abandonada deixa de ser espaço da decrepitude, e aos poucos é habitada por pequenas bolhas de criatividade nesse contato com a câmera e com o espectador. Das formas desgastadas pelos olhos cansados, o filme encontra um lugar que, se não de todo especial, se mostra ainda potente e justo.

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