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Matinta (2010), Fernando Segtowick; Falta de Ar (2010), Érico Monnerat

Publicado originalmente na Cinética em Novembro de 2010.

No quarto dia da competição aqui em Brasília, foram apresentados mais dois curtas que demonstram perceptível interesse em adaptar o cinema de gênero às questões e ao imaginário local: Matinta, de Fernando Segtowick, e Falta de Ar, de Érico Monnerat. Assim como Contagem (2010), de Gabriel Martins e Maurilio Martins, são ambos filmes que trabalham a partir de convenções clássicas do cinema de gênero (no caso, o cinema de horror e o de ação, respectivamente) dentro de diferentes perspectivas locais (Pará e Brasília). Mas se em Contagem essa atenção à própria vizinhança servia como impulso de atualização e frescor, isso só acontecia por os diretores dominarem plenamente as questões mais básicas e materiais que dizem respeito ao próprio gênero: antes de ser temperado por sotaques e expressões locais, Contagem é um filme filmado, montado e articulado de forma inteligente, com uma atenção precisa na colocação da câmera, no tempo do desenrolar das ações e no momento do corte. Parte da ambição do cinema de gênero nasce do conhecimento e do domínio profundos do que já foi feito antes, para que soluções possam ser pensadas de maneira a recuperar essa sempre fugidia vitalidade. Não é esse, porém, o caso de ambos os filmes aqui em questão.

Matinta, de Fernando Segtowick, parte da promissora intenção de trazer o imaginário místico paraense para o cinema. No caso do cinema de horror, tal vontade é tão fecunda quanto pouco explorada, e seus resultados são não raro surpreendentes – basta lembrar do excelente Mangue Negro, filme de zumbis capixaba dirigido por Rodrigo Aragão. Mas, passados os primeiros minutos, Matinta parece sensivelmente perdido no manejo dos planos, por vezes apelando para uma montagem paralela extremamente pobre, por outras cortando qualquer possibilidade de climas com jump cuts e saltos em reverse que parecem tirados da saga Crepúsculo (2008). A gratuidade da mise en scène e a dificuldade em estabelecer um tom para o filme desperdiçam qualquer possibilidade de engajamento – algo essencial para um gênero tão dependente da construção de climas e atmosferas, que por vezes pode dispensar qualquer âncora narrativa, como em As Sombras (2009), de Marco Dutra e Juliana Rojas. Não há contribuição local ou manifestação de identidade capaz de salvar um filme mal realizado, e em Matinta é possível sentir o filme escorrendo pelas frestas de cada corte mal pensado.

Falta de Ar, de Érico Monnerat, sofre de mal contrário. Pois se há uma força inegável na decupagem das cenas de tortura – momento em que o filme cresce, mesmo que seja pelo mal estar – ela é desperdiçada em uma trama moralista, com uma montagem paralela de associações por vezes grotesca. Não há nada de errado em se levantar questões morais sobre o quão incólume os torturadores podem seguir com suas vidas, largando os cadáveres pelo caminho, mas quando isso vem a reboque do simples fascínio (em si nada condenável) pelas diversas maneiras que pode-se filmar um sujeito sendo afogado em uma lata d’água, é inevitável que o “grande tema” faça uma sombra nefasta sobre as intenções vagabundas. A culpa é o inevitável afterstaste. Falta de Ar está mais para Matteo Garrone do que para Johnnie To, e isso só pode significar que o cinema sai perdendo.

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