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Honey (Bal, 2010), Semih Kaplanoglu

Publicado originalmente na Cinética em Setembro de 2010.

Exotismo às avessas

Um Doce Olhar faz menção de delicadeza, mas não há nada de delicado em sua agenda estética. Ao contrário, o filme se dedica a cumprir, sem desvios ou rodeios, toda uma lista de exigências imaginárias do cinema periférico para festivais. Há o apelo-criancinha (e que ela tenha algum tipo de deficiência; uma gagueira, sequer – tanto melhor); o apelo-floresta; o apelo-exotismo; o apelo-bucólico (estamos a falar de um diretor que faz filmes com títulos como Ovo; Leite e Mel – na tradução literal deste Bal); o apelo-duração; o apelo-frontalidade; o apelo-cenário em profundidade; o apelo-tableau; o apelo-religião; o apelo-chiaroscuro; o apelo-planos de janelas; o apelo-flashback; o apelo-contraluz; o apelo-fatalidade; o apelo-desfoque; etc, etc, etc.

Semih Kaplanoglu, turco de nascimento e de projeto turístico, faz um filme que preenche todas essas expectativas com a docilidade servil dos imigrantes assimilados. O estrangeirismo não interessa pela sua violência inerente, mas sim e tão somente pela via controlada do exotismo e do cartão-postal. Quando esse servilismo encontra a dose exata de ternura, Um Doce Olhar nos reserva uma das cenas mais grotescas vista nos últimos anos: a assimilação da gagueira de Yusuf (Bora Altas) pela compaixão ao seu sofrimento (o desaparecimento recente do pai) celebrada no aplauso dos alunos e motivado pela condescendência culpada do professor, após mais uma tentativa frustrada do garoto de ler uma frase até o final. O sofrimento – não a diferença ou o empenho, mas tão somente o sofrimento – é premiado com uma fita vermelha de honra ao mérito. O problema maior de um filme como este não está, porém, na repetição sistemática de uma cartilha colonialista do cinema “para gringo ver; uma vez que os colonizados, felizes em sua impossibilidade, são mais dignos de pena (ou de riso) do que de raiva. O que torna Um Doce Olhar um filme francamente detestável é a maneira como ele desvirtua e corrompe, em nome desse afago momentâneo, valores de convivência como sensibilidade, delicadeza, doçura e compaixão.

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