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A Mula Teimosa e o Controle Remoto (2010), Hélio Vilela Nunes; Café Aurora (2010), Pablo Polo

Publicado originalmente na Cinética em Novembro de 2010.

Cinema imitado

O quinto dia do Festival de Brasília foi marcado por filmes de encontros, e dos ruídos produzidos nas relações entre duas pessoas. Dos três filmes apresentados, não há dúvidas que A Mula Teimosa e o Controle Remoto, de Hélio Vilela Nunes, foi o melhor da noite. O filme consegue falar às crianças sem nunca deixar de ser preciso na construção visual e narrativa, impedindo que sua mensagem nobre e politicamente correta seja um entrave às suas articulações de cinema. Há momentos em que a opção por não usar falas parece por demais arbitrária, enclausurando uma fábula que se quer realista nos momentos em que as falas seriam naturais, mas acabam suprimidas por essa arbitrariedade prévia. Em ano em que a competição de curtas estava especialmente fraca (à exceção de Contagem, os melhores filmes do Festival conquistavam mais por momentos isolados de inventividade do que por um equilíbrio mais amplo), A Mula Teimosa e o Controle Remoto ganha destaque por sua inabalável correção – o que não deixa de ter, também, um lado trágico.

Café Aurora, de Pablo Polo, foi uma introdução bastante ilustrativa para todos os problemas que viriam em sequência, com Amor? (2010), longa de João Jardim. Em um primeiro momento, há índices suficientes de sofisticação para se criar algum interesse: a fotografia usa ostensivamente o foco pontualíssimo para criar quadros de alguma força gráfica; o desenho de som cria bolhas dentro das cenas que geram um certo estranhamento; a ação se desenrola lentamente, deixando pontas soltas de alguma curiosidade. O problema é que tudo aquilo que parece deliberação aos poucos se revela de absoluta perversidade mimética: os desfoques são suscitados pela cegueira de uma personagem, e o tratamento sonoro pela surdez de um outro. Café Aurora tem em sua aparente sofisticação formal sua maior evidência de preconceito, algo que ganha requintes de crueldade lírica na cena final – em que a personagem cega coloca uma venda sobre os olhos do rapaz surdo. E que isso nos seja revelado aos poucos, com requinte e sofisticação dignas de um Ensaio sobre a Cegueira (2008), só reforça o quanto o curta foi o que de mais baixo se viu em Brasília este ano.

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