Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Janeiro de 2010.
Lembro que, em uma das primeiras aulas que tive na faculdade de Cinema com Hernani Heffner, ele disse – com toda uma carga de choque político – que os dois gêneros cinematográficos mais importantes para o cinema contemporâneo eram o wuxia (aventuras de capa e espada de origem Chinesa) e o pornográfico. Não lembro da justificativa dada pro wuxia, mas quanto ao pornô, ele dizia que a obrigação de se filmar sempre a mesma coisa de maneira diferente/interessante fez com que alguns diretores empreendessem pesquisas formais no uso de filtros, luz, lentes, etc, que seriam decisivas para o cinema posterior.
Assistindo a The Flowers and The Angry Waves – filme com nome de banda de garagem e pouco lembrado na extensa filmografia do também pouco lembrado gênio louco japonês Seijun Suzuki – a leitura de Hernani pro cinema erótico parecia se encaixar perfeitamente à trajetória de Suzuki. Mesmo passando por gêneros tão diversos quanto o wuxia – mais especificamente, chanbara, como o gênero é conhecido no Japão – os filmes de yakuza e o pornô soft, Suzuki se dedicou quase exclusivamente a filmar pequenas variações do arquétipo samurai mais associado a Yojimbo (1961), de Akira Kurosawa. Jim Jarmusch, inclusive, dizia ter se apaixonado pelos filmes de Suzuki vendo cópias sem legenda – o que ressalta o quanto a narrativa aparece mais como algo a ser solucionado do que valorizado. Suzuki se dedicava a refilmar esse mesmo fiapo de trama sempre de maneiras novas, instigantes e interessantes; com isso, realizou alguns dos experimentos mais tresloucados e absurdos da história do cinema – a ponto de, como é sempre bem lembrado, ter sido proibido pelo estúdio Nikkatsu de voltar a fazer filmes em cores, após a apoteose cromática que é Tóquio Violenta, de 1966).
The Flowers and the Angry Waves é uma sucessão asfixiante de planos belíssimos, sejam eles por razões plásticas ou pela maneira como Suzuki movimenta a câmera para produzir certos efeitos dentro da cena. Para se ter uma idéia do rigor visual, os três planos seguintes aparecem entrecortados por dois ou três close-ups dos atores, logo nos primeiros três minutos de filme.
Mas o mais impressionante é que Suzuki tem sempre a liberdade de espírito de cortar de planos tão belos quanto esses para sequências esdrúxulas de matança desgovernada, de humor vagabundo, ou de latente tensão sexual. Sua irreverência é tamanha que ele parece não respeitar nem a solenidade da beleza, nem a da vagabundagem – que, muitas vezes, pode se tornar uma camisa de força tão cerceadora quanto a obsessão pelo belo plano. The Flowers and The Angry Waves reafirma a sensação de que, por mais que vários diretores gostem de clamar essa estratégia para si, Suzuki sim era um cineasta que se permitia fazer rigorosamente qualquer coisa.