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Water and soil

VERSÃO EM PORTUGUÊS

A few weeks ago, I was able to catch some of Richard Serra’s film works screening at Dia: Chelsea. One of the works I had not seen before was the 1968 16mm film Hands Scraping. In this silent four-minute-long work, Robert Fiore’s camera is positioned in a near-vertical angle, pointing down at a pile of soil that is dumped on the floor. Two pairs of male hands–belonging to Serra himself and the composer Philip Glass, who collaborated with the artist and filmmaker in other projects in this period–start collecting the dirt spread on the floor, until it reveals the marked geometry of hardwood floorboards underneath. 

Hands Scraping (1968), Richard Serra

This short film reminded me of another work which, made four decades later: Leitmotiv (2011), by the Brazilian artist Cínthia Marcelle. In this video, which is also around four minutes long, the camera is positioned in an even more vertical angle, filming what looks like a burnt cement floor with some scattered stains of black paint. The drips on the flat composition recall Jackson Pollock, but the center of the frame is actually marked by the slightly off-centered cross-like lines of the four cement tiles that occupy the entire frame. 

Leitmotiv (2011), Cínthia Marcelle

After about five seconds, the soundtrack is floored with water splashes that recall ocean waves, blending with the neutral hiss associated with that space since the film started. The shot remains unchanged for a full minute, while the sound gradually becomes more defined, as if the source had gotten closer to the microphone, encroaching on the image from the left and right sides. Only then a hint of soapy water starts coming into the immutable frame, gradually infiltrating the “canvas” from all sides. The solid indifference of the cement is slowly covered by black and white waves that move in unpredictable and sinuous ways, creating different shapes and forms where the foam accumulates. 

In Richard Serra’s film, the soil spread onto the floor blends with the grains of the film itself, adhering to the indexicality of the very apparatus. In Marcelle’s work, digital video transforms with the ever-changing fluidity of water, creating twenty four different abstract compositions per second.

Right before the two-minute mark, a black screen splits Leitmotiv in two parts, which are connected by the uninterrupted sound. When the image returns, fifteen seconds later, the same composition is now re-signified by around ten large squeegees that push the water into frame, showcasing the collective and classed, and often gendered labor behind the work. This insertion promotes a striking change in scale: what was at first an abstract composition that challenged measurement suddenly becomes quantifiable, relatable, and concrete. 

In both films, gestures associated with domestic hygiene are reframed as Sisyphean tasks that the artists impinge upon themselves for purely aesthetic reasons. Matter speaks volumes. But, comparisons aside, what is more revealing echoes in the interval between the two works. 

In Hands Scraping, the hands of the artists, around which the entire frame is measured and composed, reaffirms a direct, artisanal, and personalized relationship between the artists and the medium. It is a recurring scale in an entire period of exploration of film and video by visual artists who, with noteworthy exceptions, explored how both formats allowed for the manipulation of time in intimate, direct, and modest ways. A similar attitude marks Serra’s other works exhibited on that same screen at Dia: Hand Catching Lead; Hands Tied; and Hand Lead Fulcrum—all made in 1968.

In Marcelle’s Leitmotiv, video and performance art already appear totally inserted into an economy of expression that is markedly conceptual in nature, reframing domestic labor through a different paradigm in video art that moves away from the mundane to investigate infrastructures at a large, and sometimes even massive, scale–a tendency already visible in Serra’s own Railroad Turnbridge (1978). 

By pointing the camera to the floor, both Richard Serra and Cínthia Marcelle end up finding vanishing points beyond the present, encountering resolution in the time that either preceded or awaited them.


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Terra e água

Há algumas semanas, assisti à exibição de alguns dos filmes de Richard Serra no Dia: Chelsea. Uma das obras que eu não tinha visto antes era o filme de 16mm Hands Scraping (1968). Nessa obra silenciosa de quatro minutos de duração, a câmera de Robert Fiore é posicionada em um ângulo quase vertical, apontando para baixo, onde uma pilha de terra é jogada no chão. Dois pares de mãos masculinas – do próprio Serra e do compositor Philip Glass, que colaborou com o artista e o cineasta em outros projetos nesse período – começam a recolher a sujeira espalhada no chão, até revelar a geometria marcada das tábuas de madeira que se escondia sob a terra.

Hands Scraping (1968), Richard Serra

O curta me lembrou de outro trabalho, realizado quatro décadas depois: Leitmotiv (2011), da artista brasileira Cínthia Marcelle. Nesse vídeo, que também tem cerca de quatro minutos de duração, a câmera está posicionada em um ângulo ainda mais vertical, filmando o que parece ser um piso de cimento queimado com algumas manchas de tinta preta. As gotas na composição chapada lembram as drip paintings de Jackson Pollock, mas o centro do quadro é, na verdade, marcado pelas linhas cruzadas ligeiramente descentralizadas dos quatro ladrilhos de cimento que ocupam todo o quadro.

Leitmotiv (2011), Cínthia Marcelle

Após cerca de cinco segundos, a trilha sonora é inundada com respingos de água que remontam às ondas do mar, misturando-se com o hiss neutro associado a esse espaço desde o início do filme. A cena permanece inalterada por um minuto inteiro, enquanto o som se torna gradualmente mais definido, como se a fonte sonora se aproximasse do microfone, invadindo a imagem pelos lados esquerdo e direito. Só então um pouco de água com sabão começa a entrar no quadro até então imutável, infiltrando-se gradualmente na “tela” por todos os lados. A sólida indiferença do cimento é lentamente coberta por ondas em preto e branco que se movem de maneira imprevisível e sinuosa, criando diferentes formas e desenhos onde a espuma se acumula.

No filme de Richard Serra, a terra espalhada pelo chão se mistura com os grãos do próprio filme, aderindo à indexicalidade do próprio aparato. Na obra de Marcelle, o vídeo digital se transforma com a fluidez em da água, criando vinte e quatro composições abstratas distintas por segundo.

Logo antes dos dois minutos, uma tela preta divide Leitmotiv em duas partes, que são conectadas pelo som ininterrupto. Quando a imagem retorna, quinze segundos depois, a mesma composição é ressignificada por cerca de dez grandes rodos que empurram a água para o centro do quadro, mostrando o trabalho coletivo, com codificado por classe e gênero, por trás da obra. Essa inserção dos rodos promove uma mudança surpreendente na escala: o que no início era uma composição abstrata que parecia refratária a qualquer senso de medida, torna-se quantificável, relacionável e concreta.

Em ambos os filmes, gestos associados à higiene doméstica são reenquadrados como tarefas de Sísifo que os artistas impõem a si mesmos na finalidade sem fim do gesto estético. Mas, comparações à parte, o que é mais revelador ecoa no intervalo entre as duas obras.

Em Hands Scraping, as mãos dos artistas são impostas como centro gravitacional do quadro, reafirmando uma relação direta, artesanal e personalizada entre o criador e o meio. Essa escala é característica de todo um período da relação das artes visuais com o cinema e o vídeo, que, decerto com exceções, buscava nos dois formatos possibilidades de manipulação do tempo dentro de um registro íntimo, direto, e modesto. Uma atitude semelhante marca os outros trabalhos de Serra que compartilharam a mesma tela no Dia: Hand Catching Lead; Hands Tied; e Hand Lead Fulcrum – todos feitos em 1968.

No Leitmotiv de Marcelle, o vídeo e a arte da performance já aparecem totalmente inseridos em uma economia de expressão de natureza marcadamente conceitual, reenquadrando o trabalho doméstico por meio de um paradigma diferente na videoarte que se afasta do mundano para investigar infraestruturas em uma escala mais ampla e, muitas vezes, até maciça – tendência já visível em Railroad Turnbridge (1978) do próprio Serra, também incluído na mesma exposição.

Ao apontarem a câmera para o chão, tanto Richard Serra quanto Cínthia Marcelle acabam encontrando pontos de fuga além do presente, encontrando resolução no tempo que os precedeu, ou naquele que os aguardava.

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