Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Agosto de 2010.
Em uma das melhores – talvez a melhor – cenas de arquivo de Uma Noite em 67, o repórter Blota Jr. pergunta a Caetano Veloso de onde teria vindo a inspiração para falar de ícones internacionais, como Coca Cola, Brigitte Bardot e Claudia Cardinale, em “Alegria, Alegria”. Caetano responde: “A inspiração veio da Coca Cola, da Brigitte Bardot e da Claudia Cardinale”. O materialismo do discurso de Caetano evidencia a maior motivação e virtude do filme de Ricardo Calil e Renato Terra. Pois em vez de empreender uma investigação de bastidores, como talvez a própria alternância entre arquivo e depoimentos para o filme pudesse sugerir, Uma Noite em 67 opta por um tom em nada inquisidor ou mexeriqueiro. Seja por respeito ou por inexorabilidade, diretores e personagens não dão depoimentos que comprometam a integridade dessas imagens de arquivo – incluindo aí, diria até que principalmente, seu caráter misterioso. Ao contrário, os depoimentos correm paralelamente às imagens do momento, afirmando sempre a opacidade de um evento que se basta inteiro, longe do esquartejo dos filmes do gênero (lembremos aqui do exemplo perfeito que é Quando Éramos Reis, de Leon Gast).
Essa atitude perante o material tem uma explicação bastante factível: Ricardo Calil e Renato Terra não viveram aquele momento presencialmente. Seu contato com o festival foi mediado pelas evidências, e o filme faz o que deve para mantê-las íntegras. Interessa, em maior medida, não o que está por trás das imagens, mas sim a relação que cada personagem estabelece com o que elas têm de mais superficial – algo incluído tanto na organização à luta livre pensada pelo diretor do programa, quanto na clareza pragmática na compreensão de Caetano do sucesso de sua apresentação no festival; mas, principalmente, evidente no episódio de bastidor de Gilberto Gil, que serve apenas para reforçar a materialidade soberana de sua presença nas imagens do festival. Uma Noite em 67 dissipa a relativação inerente à dissonância entre os depoimentos – algo que o filme destaca, salvo engano, apenas duas vezes, confrontando pontos-de-vista diversos sobre uma mesma situação – para afirmar a polifonia dos afetos, atrás ou à frente das câmeras (tanto no festival, quanto na realização do documentário), estimulados por um único evento.