Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Junho de 2010.
Quando Bertrand Morane (Charles Denner) começa a remontar suas lembranças masculinas mais remotas, François Truffaut dá o salto – um tanto previsível, mas por isso mesmo problematizável pelo próprio diretor, como veremos – para as memórias em preto e branco. Vemos, ali, os momentos que antecedem sua iniciação sexual, em plano que termina no rosto da sua primeira mulher.
Logo após o rosto, Truffaut acrescenta um plano destoante que perturba a facilidade epidérmica do preto e branco. No meio das memórias, Truffaut insere um plano que, mesmo sendo majoritariamente monocromático (por ser uma silhueta em contraluz noturno), enquadra a soleira de uma porta o suficiente para que ela confira alguma cor à composição. Este plano não parece ter função narrativa que não a intromissão cromática: é um plano do presente que suspende a narração memorialista. Mais do que isso, é um plano colorido que se quer preto e branco; um plano do presente que tenta se igualar ao passado.
Depois dele, a sequência retoma o preto e branco, sem repetir ou comentar aquele breve lampejo de cor.
Bem adiante, as lembranças de Morane serão transformadas em livro. Em uma reunião, uma das editoras defende a publicação da auto-biografia de Morane por ele reunir memórias de um homem ainda criança, de alguém que não quer crescer. É uma fala que literaliza a presença daquele plano colorido em meio às reminiscências em preto e branco, fazendo texto algo que Truffaut já mostrara, muito antes, com imagens.