Publicado originalmente na Cinética em Julho de 2010.
O mundo e os filmes
Em uma entrevista à revista eletrônica de música Pitchfork, Jeff Tweedy, líder da banda Wilco, faz uma afirmação categórica: o mundo não precisa de mais canções. A princípio, tal máxima parece simplesmente reacionária, mas é preciso colocar ao menos um detalhe em perspectiva: a entrevista é dada poucas semanas antes de o Wilco lançar mais um grupo de canções ao mundo. Os sentidos da frase, portanto, estão um pouco além de sua reação mais superficial, pois são articulados por alguém que, apesar de acreditar que o mundo não precisa de mais canções, continua produzindo e lançando as suas próprias.
Aí nos deparamos com El Último Comandante, o novo filme de Isabel Martinez e Vicente Ferraz – diretor do longo extra de DVD que é Soy Cuba – O Mamute Siberiano (2004), e do francamente constrangedor Germano, episódio brasileiro no coletivo O Estado do Mundo (2007), que se embaraça ao lado de grandes filmes (uns maiores que outros) de grandes sujeitos, como Chantal Akerman, Apichatpong Weerasethakul, Pedro Costa e Wang Bing. E logo nos primeiros minutos de projeção, é inevitável que a frase de Jeff Tweedy volte à cabeça levemente modificada: o mundo não precisa de mais filmes. Isso não significa que novos filmes não devam ser feitos, mas simplesmente que o mundo não precisa deles. Há mais de 100 anos de história do cinema a se explorar, revisitando clássicos consagrados e descobrindo obras injustamente ignoradas ao longo dos anos – e os bons filmes de outrem falarão melhor sobre o presente do que os maus filmes de qualquer época. O mundo, de fato, não precisa de mais filmes.
Nada disso, porém, é para dizer que os filmes – nem mesmo certos filmes; sequer os maus filmes – não devam ser feitos. É apenas uma perspectiva necessária que determina todo excesso como poluição: se vais fazer um filme, é imprescindível que cada partícula de prata no negativo, ou cada pixel no vídeo, signifique o mundo para você. É questão de fazer verdade o juramento athanasiano da EICTV (Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de Los Baños), que Fernando Birri recupera na abertura do catálogo deste mesmo Cine Ceará: jurais que não filmareis um só fotograma que não seja como o pão fresco e que não gravareis um só milímetro de fita magnética que não seja como a água limpa?
El Último Comandante não tem pão, água ou sangue. Tem apenas uma leitura tipificada e apaziguadora de um grande tema, onde todo velho revolucionário guarda um poster de Guevara pendurado na parede, e toda cena será encarada como um problema a se solucionar da maneira mais rápida e fácil possível. É preciso iluminar uma cena noturna? Joguemos um HMI pela janela, de preferência projetando um recorte bonito na parede. É preciso filmar um plano de conjunto? Basta dispor todos os atores em formato de U frente à câmera, fechar os olhos, e torcer para que tudo dê certo. E assim o filme vai, cena a cena, problema a problema, se arrastando pela dura jornada que é sua projeção, esperando apenas chegar – vivo ou morto, pouco importa – ao final.
Por que fazer um esforço sobre-humano para retirar qualquer pensamento, que seja, de um filme que nada oferece a ser pensado? Por que honrar o compromisso crítico diante de obras que não honram o compromisso consigo mesmas? – que, bastardas, são jogadas ao mundo de maneira tão despreocupada e inconsequente. No fim das contas, o mundo também não precisa de mais textos. E quando não há nada, nada mesmo, que instigue as palavras, não há motivo algum para seguir abandonando-as ao vento.