For a limited time, Cinemateca do MAM is streaming on their Vimeo channel a quite beautiful scan of Alberto Botelho’s A Cidade do Rio de Janeiro (The City of Rio de Janeiro, 1924), with a new, original soundtrack by Ruy Gardnier. Botelho is one of the great cavadores – a recurrent term in Brazilian film historiography for hustling filmmakers who, in the first decades of cinema, did primarily commissioned work. In their short film Passeio Público (Public Sidewalk, 2016), which repurposes footage off Botelho’s film, Andrea França and Nicholas Andueza state that The City of Rio de Janeiro was originally made not to be screened in a theater, but as a gift for the Italian Prince Umberto II (which explains the Italian text in the title cards), who, due to his young age, was prevented from visiting the city. As is often the case with early Brazilian films, the surviving material is incomplete, and the cards indicate that they consist primarily of footage from parts 2 and 4 of the original cut.
In Passeio Público (and I couldn’t help but notice that, while searching for the short film, YouTube had a hard time accepting that I actually meant “public” and not “publicity”), França and Andueza focus mostly on the human characters who exchange gazes with Botelho’s camera, or eventually leak into frame in shots that seem otherwise composed for the land or cityscape. But another thing that caught my attention in the 1924 film is how the filmmaker uses his fairly exceptional compositional skills to create or highlight spaces that visually recall the dispositif of the Renaissance theater stage – the clear separation between audience and performance; the stage as a frame that separates the action from its surroundings; the use of forced perspective, painted backgrounds, and lighting effects to create life-like scenic spaces, etc.
By using visual symmetry, and framing through geometrical lines created by trees, thresholds, arches, and other devices that created a deliberate separation of a space within the continuous of the city, Botelho alludes to the conventions of geometric perspective that were dominant in theater at the time, inheriting as well as emphasizing a staged aspect to the serendipitous images of Rio de Janeiro. This staged quality, however, does not simply address an intersection between fiction and non-fiction – terms that were still in the process of definition at the time. Instead, they seem to cosign the intuition of YouTube’s algorithm that the public is entangled with publicity: in the film, Botelho captures Rio as both a living, inhabited place, and as an image carefully designed in the famous renovation processes that torn down chunks of the city’s downtown area, and rebuilt it in the image of Paris, France, at the turn of the century. The city as a manifestation of Brazil’s modernity.
Created as both a postcard and a gift for the young Italian prince, The City of Rio de Janeiro engages with the play of semblance and difference with the Western world that is a constant thread in Brazilian art. Inspired by the “palco Italiano” (Italian stage, as the Renaissance stage is known in Brazil), Botelho’s stage-like compositions seem to affirm the similarity between the reimagined Brazilian capital and Western Europe, as well as reveal this commonality as stagecraft, as an illusion created by forced perspective in both physical and metaphorical ways. And the ambivalence of this gesture is, itself, modern, implicating cinema in the same continuum that guides that documentation of the city, and its detachment as a scenic and staged space.
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A cidade como palco
Por tempo limitado, a Cinemateca do MAM exibe em seu canal no Vimeo um bonita cópia restaurada de A Cidade do Rio de Janeiro (1924), de Alberto Botelho, com uma nova trilha-sonora original de Ruy Gardnier. Botelho é um dos mais célebres cavadores do cinema brasileiro – termo recorrente em nossa historiografia cinematográfica para cineastas que, nas primeiras décadas do cinema, faziam principalmente trabalhos por encomenda. No curta-metragem Passeio Público (2016), que reaproveita imagens do filme de Botelho, Andrea França e Nicholas Andueza afirmam que A Cidade do Rio de Janeiro foi originalmente feito não para ser exibido nos cinemas, mas sim como um presente para o príncipe italiano Umberto II (o que explica os intertítulos em italiano), que, devido à sua pouca idade, foi impedido de visitar a cidade. Como é frequente com os primeiros filmes brasileiros, o material remanescente é incompleto, e as cartelas indicam que se trata principalmente das partes 2 e 4 do corte original.
Em Passeio Público (e não pude deixar de notar que, ao pesquisar o curta-metragem, o YouTube teve dificuldade em aceitar que eu realmente quis dizer “público” e não “publicidade”), França e Andueza se concentram principalmente nos personagens humanos que trocam olhares com a câmera de Botelho, ou que acabam vazando em quadros que parecem ter sido compostos para a paisagem terrestre ou urbana. Mas outra coisa que me chamou atenção no filme é como o cineasta usa suas excepcionais habilidades de composição para criar ou destacar espaços que lembram visualmente o aparato original da Renascença que ficou historicamente conhecido como palco italiano – a separação estrita entre palco e plateia; a moldura que destaca o espaço cênico dos arredores; o uso de perspectiva para criar impressão de profundidade, coordenada a fundos pintados e efeitos luminosos para construir um espaço verossímil que tem como referência o mundo físico, etc.
Ao usar princípios de simetria visual, e enquadrar através de linhas geométricas criadas por árvores, soleiras, arcos e outros dispositivos que separam deliberadamente um espaço dentro do contínuo da cidade, Botelho alude às convenções de perspectiva geométrica dominantes no teatro da época, herdando e enfatizando um aspecto encenado em imagens fortuitas do Rio de Janeiro. Essa qualidade cênica, no entanto, não endereça simplesmente uma interseção possível entre ficção e não ficção – termos que ainda estavam em processo de definição na época. Em vez disso, elas parecem corroborar a intuição do algoritmo do YouTube de que o público, neste caso, está emaranhado com a publicidade: no filme, Botelho capta o Rio como um lugar vivo e habitado, mas também como uma imagem cuidadosamente projetada pelos famosos processos de reconstrução que demoliram partes do centro da cidade, para reconstruí-la à imagem de Paris, na virada do século. A cidade era a manifestação da modernidade no Brasil.
Criado como cartão-postal e presente para o jovem príncipe italiano, A Cidade do Rio de Janeiro se emaranha no jogo de semelhança e diferença com o mundo ocidental que é traço recorrente na arte brasileira. Inspiradas no “palco italiano”, as composições de Botelho parecem afirmar a familiaridade da capital brasileira espelhada na Europa Ocidental, bem como revelar essa semelhança como uma encenação, uma ilusão de perspectiva forçada – física e metaforicamente. E a ambivalência desse gesto é, em si, moderna, e implica o cinema no mesmo contínuo que recorta aquela documentação da cidade, e sua reconstrução como um espaço cênico, e encenado.