Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Agosto de 2010.
O trabalho me levou a uma revisão mais precoce do que eu previa de Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet. Para além de confirmar minha reação morna quando assisti ao filme no cinema – algo que eu suspeitava se dever à sessão ter sido emendada a uma revisão impactada do monumental Moscou, de Eduardo Coutinho – a revisão reiterou a sensação de que as virtudes mais aparentes do filme de Cantet são, também, a raiz de seus maiores problemas.
Desmontemos o paradoxo para que ele não se esvazie em retórica: no filme, o acabamento impecável da construção de uma atmosfera de extremo realismo – com as operações que muito calculadamente passam a impressão de se apagarem – é tão embasbacante que se torna um empecilho para a imersão que essa atmosfera visa construir. A velocidade sufocante dos diálogos, a sensação premente de que o apocalipse espia pela janela da sala, o muito bem articulado jogo de dentro e fora determinado pela contenção do recorte espacial – tudo aquilo que há de extremamente virtuoso em Entre os Muros da Escola se exibe como tal. O meio é tão perfeito na expressão de um fim que o inviabiliza por completo.
A ironia é que todas essas articulações buscam o apagamento do aparato, a imersão, a sensação de que estaríamos a ver algo sem mediações mais explícitas. Daí que as sequências mais fortes sejam justamente as que quebram o registro da sala de aula – seja no caos ordenado pela câmera no tripé que fotografa a sala vazia perto do final do filme, ou quando uma licença poética obrigará um aluno a falar e olhar diretamente para a câmera. Em seu talento exímio para a construção do realismo, Laurent Cantet dá a Entre os Muros da Escola uma estranha subserviência exibicionista, onde o primor do apagamento do cinema diante do universo filmado acaba por ser o triunfo do artifício cinematográfico sobre este mesmo universo. Pois o realismo do filme é extremamente preciso, e não há precisão absoluta na realidade. Entre os Muros da Escola constrói um universo tão impecavelmente atraente que ele se torna repulsivo.