Publicado originalmente na Cinética em Julho de 2010.
Caminhos conhecidos
Logo nos primeiros minutos de O Último Verão de La Boyita, há uma cena sem dúvidas impressionante: um grupo de homens enlaça um cavalo e o derruba ao chão. A cena é filmada com verdadeira urgência, como se todo o peso daquele enorme animal em queda fosse imediatamente transferido para o espectador. É uma sequência memorável, que impõe a O Último Verão de La Boyita o difícil desafio de, senão superá-la, ao menos não deixar sua força esvair. No entanto, embora Julia Somonoff use de todas as armas possíveis (muitas vezes desesperadas) para tentar criar um novo momento tão forte quanto aquele – indo de um espancamento infantil ao sacrifício frontal de um boi – logo percebe-se que O Último Verão de La Boyita não proporcionará muitas outras lembranças.
O filme começa como mais um rito de passagem feminino da infância pra adolescência, encenado com uma reverência clara à grife Lucrecia Martel (mais uma vez ela) que, se não preserva um vigor contagiante, proporciona alguma impressão de instalação. Mas essa intenção de presença será minada por uma série de manobras de dramaturgia, das quais a notável falta de cuidado no texto das conversas é apenas um dos exemplos mais claros. Os diálogos sempre evidenciam a escrita, sem o cuidado maior – tão necessário a filmes com tanta propensão ao naturalismo, de tentar se apagar – minimizando sua eloquência para que eles possam servir à construção de um universo. Não temos nem a declamação, nem o naturalismo extremo; apenas um híbrido morno de caminhos antevistos, mas nunca de fato explorados. Esse conflito – diminuto, pois inconsciente de sua potência – ratifica a impressão de que falta, ao filme, decidir entre dois caminhos distintos que se excluem no meio termo, em algum lugar entre o naturalismo dedicado e a escritura que se quer evidente. Ao longo da projeção, a construção de ambiência é sacrificada por armações hoje já esperadas desse tipo de filme, usadas aqui de maneira absolutamente indiscreta: o campo como paraíso perdido; a convivência entre homens e animais como paridade de comportamentos; as metáforas religiosas; um suspeitíssimo subtexto civilizador; a descoberta da sexualidade feminina em um ambiente opressivamente masculino; etc.
Aos poucos, toda a possibilidade de permanência nos tempos e espaços do filme é descartada pela necessidade do drama, sem margens para sutilezas ou parcialidades. A aparente vontade primeira de dialogar com alguns caminhos mais férteis do cinema contemporâneo vai minguando ao melodrama made for TV, com suas grandes questões, destinadas sempre à redenção. Hoje, já sabendo que O Último Verão de La Boyita saiu como o grande vencedor desta edição do Cine Ceará, é inevitável olhar para ele fora de sua insignificância, como parte desse cinema que encobre, com um véu de suposta sofisticação, seu falso coração noveleiro. O Último Verão de La Boyita é sintoma dessa domesticação desejada do cinema de autor, que conserva um ou outro traço de sua aparência, enquanto extermina por completo a inquietude de seu espírito.