Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Maio de 2010.
Para além da maestria das gags encenadas, o que parece conferir ao humor de Traffic um tom tão particular talvez venha da escolha de enquadrá-lo em 1.37:1. O formato mais “quadrado” da tela é precioso justamente por sua inadequação: se um formato mais panorâmico (como o 1.85:1 de Play Time) privilegiaria a estrutura longilínea dos carros, a proporção do 1.37:1 gera um sensível estranhamento gráfico.
Com isso, faz-se necessário optar entre uma sobra maior de teto e chão – que faz os carros flutuarem de maneira atabalhoada no meio da composição – ou um enquadramento que corte as pontas laterais dos carros. Em ambos os casos, cria-se sempre um subtexto patético, anti-fetichista (pensemos aqui, como medida oposta, no uso do 2.35:1 em À Prova de Morte, de Quentin Tarantino), que traduz visualmente o espírito original do próprio filme, tão crítico das desmesuras da modernidade burguesa quanto qualquer outro filme de Jacques Tati.