Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Abril de 2010.
A Marquesa d’O… é um filme sobre uma elipse de montagem. É a elipse – o corte temporal que nos omite uma ação, e aos poucos vai revelando a importância central daquilo que foi artificialmente extirpado para todo o resto do filme – que esconde o estupro da Marquesa, evento que atormentará todas as personagens do filme e norteará os desdobramentos dos da trama.
Mas o filme rapidamente nos dá a perceber que naquela elipse se deu o estupro, o que nos privilegia em relação a quase todas as personagens do filme. Elas passam todo o decorrer da narrativa tentando descobrir duas coisas que já sabemos: se houve ou não estupro, e quem seria o estuprador. A única pessoa que sabe o que aconteceu além do espectador é o próprio estuprador. Com isso, somos feitos seus cúmplices.
Rohmer segue com o filme como se ele próprio não tivesse presenciado o ocorrido (e de fato não presenciou, pois ele nunca é mostrado – está lá, escondido na elipse que preenchemos ligando pontos por nossa conta e risco), conduzindo o drama social de A Marquesa d’O… aos limites da mais borbulhante comédia de costumes. E nós, a cada risada de canto de boca, somos lembrados que sabemos de tudo que aconteceu, e que ainda assim rimos.