Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Fevereiro de 2010.
Memórias se sustenta em um curioso espelhamento. Em sua trama, Gena Rowlands interpreta uma dançarina no ostracismo, que muda para a casa de sua irmã em uma pequena cidade do sul dos EUA, onde a dança é vista como coisa do diabo. Gena Rowlands desestabiliza a cidade com seu encanto demoníaco, em especial aos olhos do jovem protagonista, David (Jacob Tierney / Drake Bell). Mas o mais interessante é perceber como Gena Rowlands, atriz do diabo, desestabiliza a mise en scène ultra-cristã de Terence Davies.
Pois Davies, diretor de poses e planos-sequência, está mais para as máscaras biomecânicas de Meyerhold do que para Stanislawski ou Actors Studio. Gena Rowlands, com sua jocosidade extraordinária, desmonta por completo o universo de Davies, e Memórias é um filme que interessa justamente como um documento desse duelo desigual. É um caso exemplar de como uma grande atriz (mesmo não estando em momento particularmente especial) é capaz de destruir um filme de um diretor talentoso, e Rowlands – façamos justiça – é bem mais interessante de se olhar do que qualquer uma das criações de Terence Davies, aqui refém imobilizado por seus próprios traumas (só aqui? Certamente não, mas mais aqui que em qualquer outro filme), com um repertório imagético fragilíssimo (os planos do garoto tocando a lua, por exemplo). Resta esse testemunho de fracasso, e um ou outro plano mais inspirado – o melhor deles, o lençol branco que seca ao vento, e que Davies transforma em tela de cinema apenas trazendo à banda sonora o tema de E o Vento Levou…