Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Fevereiro de 2010.
A Amiga Americana faz um duplo processo de acentuação da presença dos mínimos gestos na vida cotidiana. Em primeira instância, ao ser um filme repleto dessas pequenas iniciativas – que, a propósito, determinam a própria existência e configuração dos planos. Em segundo, por esses gestos serem mínimos também dentro dos planos. É plenamente possível assistir ao filme sem se atentar para a expressividade dessa posição, que vem justamente da rejeição do close ilustrativo, da negação de qualquer acentuação pela montagem – afinal, um pequeno gesto que toma toda a tela do cinema já não é mais pequeno.
É parte da política do filme que esses gestos sejam mínimos e vagueiem dentro dos planos gerais, pois é necessário despertar no espectador a vontade de buscá-los na composição, produzindo uma mudança de relação com o mundo que precisa nascer de uma mudança de relação com o filme. Faz todo sentido, portanto, que a narrativa seja toda resolvida no primeiro encontro entre Thaís e Paris: vemos as duas em um plongée acentuado, em plano bastante aberto, e quando a americana fala com Thaís, Thaís levanta o guarda-sol para que Paris também possa ser abrigada pela sombra. Ali, naquele gesto de eloquência gigantesca e quase imperceptível, está indicado tudo que acontecerá no resto do filme. Basta se colocar em condições de percebê-lo.
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