Publicado originalmente em antigo blog pessoal em Janeiro de 2010.
Diário de Sintra me parece ganhar em força o quanto mais conseguimos nos distanciar de Glauber Rocha, a figura histórica, para nos aproximarmos de Glauber, a pessoa amada por Paula Gaitán (operação de aproximação que ela repetiria ao dispensar a muleta personalista e entitular seu perfil da atriz Maria Gladys – em um filme ainda mais bonito que este – de Vida). Pois Diário é sim sobre Glauber, mas talvez tenha apenas calhado de serem essas as contingências – e se em Rocha que Voa (2002), de Eryk Rocha, Glauber era ainda um intermediário necessário para se chegar a questões menos perenes do filme, aqui sua figura é de quase completa evanescência. É, antes de mais nada, um filme de Paula Gaitán sobre o pai de seus filhos, seu marido, seu amor – mas o que interessa é o quanto de densidade essa intimidade transfere às imagens, e como Paula usa o cinema para dar conta de tamanha sensação de proximidade.
O que parece sufocar (de maneira sempre serena) e empurrar ao movimento cada um de seus procedimentos é a maneira com a perda nunca parece capaz de amenizar a permanente sensação de que quem partiu continua presente. Nesse sentido, é curioso que a ida ao filme tenha coincidido com a republicação (e a consequente releitura) de um texto meu sobre Alain Resnais na Cinética, no qual pinço uma frase de Muriel ou O Tempo de um Retorno: reconheço você em todos os lugares. Diário de Sintra carrega consigo essa projeção fantasmagórica, onde as árvores trazem em pencas as impressões do rosto de quem se foi, as esquinas evocam essa presença ausente, e até mesmo a terra, quando erodida pela água corrente, traz em suas camadas mais profundas um retrato de Glauber – em um desses planos que merecem textos inteiros. Como em uma hipotética Cidade Invisível, de Calvino, Sintra e Glauber parecem se completar de tal maneira que Paula Gaitán precisa sempre de um para acessar o outro, e do outro para acessar o um.