Publicado originalmente na Cinética em Outubro de 2009.
Logo no começo de Ainda a Caminhar, ouviremos o belíssimo tema de Gonchichi – uma peça ao violão que parece uma versão melancólica da inesquecível trilha de Alain Romans para As Férias do Sr. Hulot (1953), de Jacques Tati. A associação com Tati, porém, não virá pelo humor, mas sim pela leveza que perpassa todo o filme, e que Kore-eda muitas vezes alcança de maneira exemplar. Embora sua temática familiar sugira uma aproximação superficial com o cinema de Yasujiro Ozu, Ainda a Caminhar não tem como virtude o rigor de forma e estrutura, mas sim um trato bastante afinado das ações cotidianas e das relações entre personagens que o filme consegue desenhar com tintas bastante matizadas – o que faz dele mais uma versão doméstica de O Gosto do Chá (2004), de Katsuhito Ishii, do que um novo O Gosto do Arroz no Chá Verde (1952). Kore-eda trabalha temas de peso notável com bastante leveza, o que garante um embarque fácil e bastante prazeroso. A falta de rigor, porém, se torna um empecilho incontornável nos dez minutos finais, quando o diretor põe a perder toda a leveza conquistada, em nome da clareza excessiva de seu encerramento. Ali, com o voice over lamentoso e a vontade abrupta de se produzir o maior número possível de sentidos em seu final, Ainda a Caminhar ganha um peso que ele sabiamente evitara ao longo de toda a projeção, um peso que seu corpo nunca esteve preparado para sustentar.