Publicado originalmente na Cinética em Novembro de 2008.
A surpresa da previsibilidade
Dan (Steve Carell) é um colunista de jornal que aconselha familiares a melhorarem suas relações, mas não consegue superar a morte da esposa ou se entender com as três filhas adolescentes. Indo a um encontro de família, conhece Marie (Juliette Binoche) em uma livraria, onde compartilham um promissor momento de química amorosa. Ela diz estar compromissada, mas ele sai de lá com um número de telefone no bolso, e completamente apaixonado. Ao chegar em casa, relata o encontro maravilhoso para seus familiares. Até que seu irmão lhe interrompe para apresentar sua nova namorada e, claro, lá está ela: Marie, a moça misteriosa da livraria.
Em texto frio, resumido em um parágrafo como o de cima, já é possível adivinhar o caminho problemático que Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada decide para si. Estamos diante de uma fórmula nada nova – as comédias de família, gênero onde se encontram primos distantes como Parenthood: O Tiro Que Saiu Pela Culatra (1989), de Ron Howard, Entrando Numa Fria (2000), de Jay Roach, e Os Penetras Bons de Bico (2005), de David Dobkin. Se os filmes de Roach e Dobkin saltam na lista como dois bons filhos recentes do gênero, é mais pelo mau comportamento diante de suas convenções do que pela aderência a elas. No caso de Entrando Numa Fria, o filme de família é transformado em sátira política; no de Os Penetras Bons de Bico, em um anárquico balé de corpos e maus costumes. Em Do Jeito Que Ela É (2003), seu filme anterior, Peter Hedges trazia ao gênero um pacotinho de modernices – uma câmera de vídeo, pouca grana, piercings e tinta de cabelo colorida – pra fazer mais do mesmo, sem fazer do mesmo, mais. Em que lugar estaria ele neste novo filme, tendo à disposição um elenco de renome, orçamento folgado, gruas, carrinhos e a paisagem de Rhode Island?
“Em casa”, é essa a primeira resposta que vem à cabeça. Pois uma vez dispensada a vontade de se fazer notado em seu filme de estréia, Hedges tira a fantasia e assume a raiz de seu desejo cinematográfico: as comédias românticas sem notas fortes que Rob Reiner fazia nas décadas de 1980 e 1990, e que teria melhores exemplos recentes em Melhor É Impossível (1997), de James L. Brooks, e Um Grande Garoto (2002), dos irmãos Weitz – escrito, aliás, pelo próprio Hedges. São filmes onde, tradicionalmente, todas as pontas do roteiro são presas com torrões de açúcar, todo personagem é agente de redenção, toda canção é dominada por violões, e toda criança traz um raio de sabedoria em sua aparente ingenuidade.
É exatamente isso que veremos em Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada (infeliz título em português que faz anticlímax da única surpresa possível de todo o filme): um trabalho by the book, onde tudo está no lugar certo, mesmo que esse lugar só exista em uma década passada. Justas, portanto, as críticas que venham apontar a previsibilidade do roteiro, a caduquice de certas estratégias de comédia (o filme é especialmente infeliz quando arrisca momentos de comédia física – algo que Hedges definitivamente não sabe filmar), o enquadramento obediente às convenções de um gênero que, talvez, não mais responda às questões do mundo contemporâneo. São todas gavetas críticas já devidamente organizadas como discurso, onde dividimos a maior parte dos filmes em cartaz, reunindo-os a partir de suas semelhanças – mesmo que precisemos ignorar algumas de suas diferenças, apertando um braço ou arrancando uma perna para fazê-los caber na gaveta que escolhemos.
Só que se Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada junta as pontas extremas de uma mesma fórmula cinematográfica, ao mesmo tempo em que é previsível sua construção é, também, extremamente eficiente. E, aos poucos, seu anacronismo começa a refletir um brilho um tanto inquietante, pois é sedutor justamente onde é mais esquemático, mostrando vida nas convenções mais desgastadas. Em época onde toda comédia parece apertar o passo para alcançar o ritmo puxado por Judd Apatow, Seth Rogen, Evan Goldberg e sua galera, é tão incômodo quanto extraordinário ver Peter Hedges espremer algumas preciosas gotas de vida de convenções e estratégias que pareciam flutuar em uma bolha morta na década passada. Enquanto uma fatia preciosa da produção de gênero se perde ao tentar se vestir com roupas que não são suas, Peter Hedges encontra uma brisa providencial ao assumir, enfim, seu próprio guarda-roupa. Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada é uma espécie de fóssil, um viajante do passado que, apesar de fora de moda, é companhia bastante agradável quando se sente confortável dentro de sua própria pele.
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