Publicado originalmente na Cinética em Outubro de 2008.
Cinema de autores
No número 9 da revista Paisà, há uma citação de Greg Mottola – diretor de Superbad – É hoje – dizendo: “Alguns amigos sugeriram que eu devia arranjar um assessor de imprensa só para informar às pessoas que eu dirigi o filme”. A colocação de Mottola é reveladora, e encontra coro na impressão reinante em Segurando as Pontas: estamos diante do segundo projeto dos roteiristas Seth Rogen e Evan Goldberg. Embora seja um erro classificar a trajetória de Rogen e Goldberg como evidência de uma ampla crise da autoria, é bastante claro que eles vêm provocando uma curiosa mudança de foco da figura do autor cinematográfico, criando filmes que ficam mais associados a seus roteiristas (dentro, é necessário dizer, do grande clã de produção de Judd Apatow) do que a seus diretores – palavra que sempre encontrou sinônimo em “realizador”. Embora a escalação de David Gordon Green – artista de trajetória de independente mais vinculada a um circuito “de arte” – para a direção seja curiosa, logo percebemos que seu trabalho se dá a partir de uma assinatura já previamente marcada no roteiro, na co-realização de um filme que se desenha como uma continuação de um projeto estético e narrativo anterior.
Continuação, sim, pois a suspeita de que Segurando as Pontas dialogaria com a recente carreira de textos de Rogen e Goldberg se confirma quando percebemos estar diante de uma “sequência” de Superbad (2007), mostrando que há, sim, um projeto de cinema particular à dupla. Embora isso nunca funcione na chave da auto-referência (algo caro ao cinema de um Kevin Smith, por exemplo), a repetição de certas convenções leva a crer que Dale Denton (Seth Rogen) e Saul Silver (James Franco) seriam o devir natural da dupla Seth e Evan, de Superbad. Mais uma vez estamos diante do afeto entre dois amigos (prévio em Superbad, em desenvolvimento em Segurando as Pontas), com direito a um novo McLovin (em Superbad, garoto capaz de comprar bebidas alcóolicas; aqui, Red, um fornecedor de drogas mais graúdo, interpretado por Danny R. McBride) e novos desdobramentos das mesmas inseguranças. O que muda entre os dois filmes é justamente o tempo que passa: as drogas ficam mais pesadas, a angústia pelo futuro acadêmico é transferida para o presente no mercado de trabalho, a relação com o sexo segue tortuosa, a polícia continua sendo o inimigo (embora, depois dos 25, já seja possível encontrar até uma policial “do bem”), e as garotas – claro – são as únicas que nunca envelhecem.
Isso significa que Segurando as Pontas é, como Superbad, uma comédia romântica. Mas se lá o gênero era filtrado pelos olhos de dois adolescentes, o novo filme de Rogen e Goldberg é uma comédia romântica pensada por dois drug buddies. Essa fidelidade ao ponto de vista das personagens é valiosíssima, pois faz com que a absurda cadeia de eventos narrada pelo filme pareça absolutamente crível. Se saímos de Superbad com a imagem de dois colegiais criando o roteiro enquanto matavam uma aula qualquer para ir tomar algumas cervejas nos fundos da escola, Segurando as Pontas é escrito como se compartilha um baseado, partindo de uma enfumaçada sugestão de roda de maconheiros: imagine se, enquanto fumamos um tipo raríssimo de maconha, presenciássemos um assassinato, jogássemos o baseado pela janela, e o assassino conseguisse nos rastrear por saber que só nós poderíamos ter essa super-maconha (“Fumá-la é quase como matar um unicórnio”, diz James Franco, em uma das inúmeras piadas geniais de todo o filme)? Para Rogen e Goldberg não há verossimilhança; há apenas o interesse irrestrito na verdade de seus personagens.
Nesse caso, a verdade de dois maconheiros se traduz como o sonho de dois homens feitos com unhas cravadas em imaginários de meninos: explosões, perseguições de carro, noites passadas no meio do mato, tiroteios, inimigos asiáticos em uniformes pretos, e afiadíssimas piadas que cobrem da vagabundagem na internet aos universitários que ouvem The Shins e Godspeed You! Black Emperor. Nada muito diferente da perseguição policial de Superbad, só que agora as explosões são maiores, os amigos mais assustadores e, ao fim, eles levarão a realização de McLovin a novos extremos: em vez de um tiro de revólver em um carro despedaçado, eles disparam rajadas de metralhadores contra os malfeitores que querem destruir a amizade que existe entre eles.
Ao fim, a viagem termina da única maneira imaginável: com o fim da onda. Na manhã do dia seguinte, vemos os três amigos em uma roda, exibindo suas novas marcas de batalha enquanto acalmam seus estômagos com bacon, ovos e café. E circulando pela mesa a declaração que, depois dos créditos, encerrava Superbad: “I love you, man”.
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