Publicado originalmente na Cinética em Maio de 2008.
A didática do homem comum
É significativo perceber que, mesmo apertando o ritmo para acompanharmos as passadas do presente, a oxigenada dada por Judd Apatow na comédia norte-americana já começa a se consolidar como irreversível, gerando filmes que assimilam suas armações e estratégias de encenação como ponto de partida. É como sintoma dessa autofagia que Maratona do Amor sustenta algum interesse – mas nunca é um bom sinal quando um filme interessa mais como sintoma do que como filme. Pois à revelia de si mesmo, o longa que marca a estréia na direção cinematográfica do ator David Schwimmer (que é mais conhecido por seu trabalho na série Friends do que por sua pontual carreira no cinema) se torna um almanaque de convenções da comédia norte-americana dos últimos 10 ou 15 anos, esvaziando essas amarras ao usá-las – sem nenhum raciocínio aparente que não a busca desesperada por uma suposta eficiência – como simples clichês.
A impressão predominante em Maratona do Amor é a de que recursos não trazem, em si, significados ou efeitos intrínsecos. Temos, no filme, a necessidade ruidosa de se entrar no mundo adulto (de Superbad ou, sobretudo, Ligeiramente Grávidos), a camaradagem produtiva entre os párias (de Com a Bola Toda), o obrigatório coadjuvante estrangeiro de sotaque engraçado (de O Virgem de 40 Anos ou Os Excêntricos Tenenbaums) e a confiança em uma comédia física à la irmãos Farrelly (Quem Vai Ficar Com Mary, principalmente). Mas, todas essas questões aparecem como fina camada de tinta sobre uma embolorada narrativa de redenção social e familiar do homem comum. Se os filmes de Apatow ou dos Farrelly fascinam justamente por usar a aparência das convenções para implodir uma lógica interna ao gênero, Schwimmer importa imagens de ruptura para imobilizar seu filme no passado.
Importar parece, de fato, uma palavra importante para nos aproximarmos de Maratona do Amor, já que a questão espacial se revela uma das maiores evidências da insuficiência do filme. Pois, se ao mover a produção para Londres, Schwimmer teria uma matéria-prima automática para pensar o contraste de um ritmo de comédia bastante particular com uma nova inserção geográfica, o que vemos na tela é uma mal ajambrada sobreposição de mundos que não se aderem. Embora o olhar de turista do diretor renda algumas composições mais fortes com a arquitetura londrina, Maratona do Amor parece ser o produto do viajante que, em sua cabeça, age como se nunca houvesse saído de casa. Nada disso seria problema incontornável se a tal eficiência buscada por David Schwimmer se completasse. O maior problema de Maratona do Amor é que, em seu interesse em importar convenções que não lhe pertencem, o filme deixa de olhar com maior cuidado para seu próprio centro.
Embora a estória de competição e aprendizado protagonizada por Dennis (Simon Pegg) parta de princípios caros à comédia americana, são nas cenas movidas por maior ternura que o filme de Schwimmer consegue erguer, mesmo que brevemente, a cabeça fora d’água. Duas, em especial, chamam atenção: a conversa entre pai e filho, escondidos na copa de uma árvore; e a confissão de Dennis a Libby (Thandie Newton, atriz que responde a toda necessidade de reação com um enervante jorro de caretas) na varanda da festa. As cenas, já fortes individualmente, crescem quando pensadas juntas, justamente por tornarem a figura de Dennis mais complexa. Em uma ele admite seus erros como reflexo de uma insegurança devastadora; em outra, alcança uma intimidade com o filho reservada a uma rara cumplicidade entre pai e filho. Salvo essas duas exceções, toda manifestação de fragilidade dos personagens vem acorrentada à necessidade do roteiro de nunca deixar brechas (a conversa de Dennis com o filho, após sua fuga, por exemplo), sacrificando qualquer possibilidade de respiro por um didatismo que só faz afastar o espectador.