Publicado originalmente na Cinética em Março de 2008.
Ser político
Jimmy Carter – O Homem de Plains se revela um filme crescentemente político ao passo em que vai frustrando as expectativas de quem esperava um panfleto. Embora a observação da turnê de divulgação do polêmico livro de Jimmy Carter, Palestine: Peace Not Apartheid, talvez sugira, para uns, a possibilidade de um interesse em traduzir o conteúdo do livro para a tela, o filme de Jonathan Demme logo mostra que sua escolha de personagem é guiada por uma crença política de um cinema anterior: em vez do imediatismo de registro de um Farenheit 11 de Setembro (2004), a preocupação política de Demme é, como nos filmes de John Ford, com os valores que orientam a maneira como a pólis se estrutura.
Não existe, portanto, uma estrutura de crise em andamento, pois até mesmo a confrontação pública das idéias de Carter com as opiniões do professor Dershowitz serve mais para afastar qualquer desejo de canonização do ex-presidente norte-americano do que para provocar um grande evento, como nos filmes de Michael Moore. Ficar do lado dos santos não é, a rigor, uma atividade política. Ao mostrar a possibilidade de resposta, de uma idéia contrária àquela que defende o protagonista do filme, Demme reforça a crença que move seu filme; afinal, a aproximação política é muito mais uma identificação de valores do que a assimilação de uma tese. Nesse sentido, é bastante simbólico o discurso de Carter no início do filme – homem extremamente religioso – sobre o uso de uma mesma crença religiosa para os mais variados fins.
A contraposição proposta por Jonathan Demme é sutil justamente por não se focar em uma idéia em particular (no caso do livro de Carter, a de que Israel praticaria uma forma de apartheid ao criar um muro dentro do território palestino, impedindo o direito de ir e vir desse povo em sua própria terra), mas sim em observar um homem político em atividade. Longe do poder convencional desde a derrota nas eleições, em 1981, Carter parece tomado da percepção de que ainda há muito a se fazer pelo mundo, e que, aos 83 anos de idade, o tempo para realizar mudanças é, de fato, cada vez mais curto. Esse trabalho se expande em livros publicados, viagens, entrevistas, visitas a países em crise, trabalho voluntário, debates em universidades, sempre com uma serenidade absolutamente inabalável. É essa dedicação, portanto, que parece interessar a Jonathan Demme em seu filme, pois ela parte de uma essência transformadora anterior, de um compromisso político de colocar idéias em discussão sem, necessariamente, precisar se preocupar com a realização da política oficial.
Jimmy Carter – O Homem de Plains se torna, porém, um filme valioso quando confrontado com o momento em que ele se insere. Enquanto o mundo da política e do cinema parece mais apegado ao imediatismo das relações palacianas, o filme de Demme comove ao propor um retorno ao que a política tem de mais básico: a relação entre os homens. Em uma cena-chave do filme, Jimmy Carter é perguntado se a situação entre os Estados Unidos e o Irã não está como está por ele não ter dado resposta adequada à invasão da embaixada americana no país em 1979. Carter responde que qualquer medida mais drástica teria matado os 52 cidadãos norte-americanos tomados como reféns. Como ele conseguira resolver a crise sem a morte de um refém sequer, era difícil crer que a operação não tinha sido bem sucedida.
O filme de Jonathan Demme não deixa de ser bastante triste, pois boa parte do tempo essa realização política é confrontada com o corpo de Carter – com a dignidade e a fragilidade inseparáveis de sua idade avançada. Alguns dos poucos comentários sobre a política corrente feita por Carter não são animadores: se, por um lado, vemos as imagens do lendário acordo de Camp David, por outro somos perseguidos pela ausência de qualquer envolvimento do governo norte-americano no processo de paz no Oriente Médio desde a administração Clinton. A idéia de um homem-político em extinção que a figura de Carter carrega tem muito de melancolia, mas a força que o filme de Demme parece encontrar nesse momento é a de ecoar, como o discurso da estagiária do Carter Institute que leva o ex-presidente às lágrimas, em uma possibilidade de reversão; na crença de restituir à palavra ‘política’ um sentido que os anos recentes parecem ter tentado encobrir.